Wednesday, August 23, 2006


CONVERSAS DE VERÃO II

Mal acabei de escrever o texto de ontem lembrei-me das muitas falhas que apresentava. Os liceus nacionais portugueses foram os maiores responsáveis pela estreiteza de vistas e da imbecilidade da maioria da população estudantil daquela época. Desde professores de Filosofia que repetiam conceitos de compêndio sem dominarem as matérias que leccionavam a não ser como modelos mnésico-repetitivos e professores/as de Português que passavam as horas a dividir Camões de tal maneira esquartejando-o que no final de tudo tínhamos dificuldade em encontrar as partes genitais do vate mais odiado da minha geração, tínhamos de tudo. Sempre que me lembro de Camões vem-me à ideia o complemento circunstancial de lugar e a professora a coçar os peitos por cima da camisa com as longas unhas pintadas de roxo. Os professores de Ciências Naturais eram os mais porreiros. Embora alguns quando falavam de primatas estivessem muito próximo desses nossos companheiros de infortúnio terráqueo, como foi o caso de um mamífero que era coronel do exército e que deu numa de professor com a cumplicidade do então reitor, que muitas e regulares vezes enviava para a PIDE relatórios sobre alunos e colegas. Um dia ao ler um livro que meu pai trouxera de Lisboa deparei-me com uma informação sobre a língua espanhola dizendo que ela era considerada uma língua de salão. No meu primeiro ano de liceu tinha como professora de Francês uma tal dona Lígia Matos (dona era o título que elas levavam por cá, pois só os homens podiam ser doutores), solteira apesar de bonita. Aproveitando uma brecha perguntei-lhe porque não aprendíamos antes o espanhol em vez do francês, pois aquela era uma língua muito falada no mundo e como dizia o livro: de salão. Tinha doze anos. Foi a segunda bofetada que apanhei naquele ano. A primeira levei-a do professor Vicente que tinha por hábito bater em toda a gente menos nas alunas. Um dia ia-se lixando pois apanhara um aluno pendurado na janela do laboratório de Ciências a olhar para as colegas a brincarem no intervalo das aulas e dera-lhe com o ponteiro na cabeça com tanta força que até fez sangue. Ia-se lixando porque o aluno era filho de uma das mais importantes figuras políticas da época. O crime foi abafado. O padre Rebelo que se exprimia pedagogicamente em Religião também me bateu por causa de uma pergunta sobre os bonecos nas igrejas. A última bofetada que apanhei e de que me lembro foi a do professor de ginástica por causa de uma denúncia do “mané do jardim” que tomava conta do Campo de Jogos. Tinha estado a jogar futebol, o que era expressamente proibido. Do reitor Anglin retenho na memória o facto de me ter expulsado dois dias por causa de uma suposta ameaça por mim proferida numa aula de Francês. Era professor da disciplina Armando Cortes-Rodrigues, para além de parecer um anormal – passava as aulas a fazer incontroláveis caretas – ninguém aprendeu aquela língua para a poder falar com as francesas. Como falava com a boca fechada eu nunca percebi se estava a falar francês ou “micalês”. Os que lhe davam graxa passavam. E eu só passei porque um dia ele precisou de um favor de meu pai. Por acaso, se algum “graxente” duvidar eu ainda tenho a literatura desse poeta a expressar-se não em verso mas em prosa predicatória-apelativa. O escritor Cristóvão de Aguiar – pessoa de quem gosto – no tempo em que ainda não se tinha aburguesado elaborou algumas aguarelas bastante críticas acerca do Liceu Nacional de Ponta Delgada numa das suas bem conhecidas obras literárias, crítica que subscrevo inteiramente porque realista. Vou terminar não sem antes contar mais duas. A professora de Português, a dona "Jorgina" Leitão, que não ia com a minha cara porque quando ela se coçava eu arrepiava-me (tinha doze anos) chumbou-me várias vezes. Certo dia consegui uma cópia de um teste de Português com antecedência ilegal e fui ter com um professor que o resolveu. Resultado, a pedagoga atribuiu a classificação de sofrível menos ao meu/nosso esforço. Já morreu, mas ainda conseguiu em vida ter-me como colega durante os quatro anos que leccionei no Liceu de Ponta Delgada e que eram os anos revolucionários do pós 25 de Abril... Quanto ao outro caso (há mais) aconteceu na então disciplina de Introdução à Política. O professor, um português do continente, atribuiu-me nove valores no primeiro período. Não entregou os testes aos alunos porque não os tinha corrigido e foi para o conselho de notas sem ter avaliações a atribuir a não ser as de olhão. Deu as notas paralelamente e conforme os colegas as iam vomitando nas suas disciplinas. Naturalmente, como eu era mal visto (o meu crime predilecto era namorar) os professores penalizaram-me. O continental foi atrás. Vem o segundo período e o saca de aparas devolveu os testes "avaliados" e "corrigidos". O meu estava quase todo a vermelho. Apeteceu-me bater-lhe. Aguardei cheio de nervos o fim da aula e com ele sozinho demonstrei-lhe que tudo, mas tudo que estava riscado estava conforme o livro. Ele não teve outro remédio senão reconhecer o erro e a sacanice que me fizera. Voltei-lhe as costas. Faltei várias vezes às suas aulas sem que ele me marcasse as faltas e até ao fim do ano não fiz teste algum. A minha nota subiu para catorze. Catorze em Política! Foi por essa razão que vim a adorar muito mais tarde a política.
PS:
Professores tive-os à balda. O melhor foi o meu primo Zeca, a quem já tive ocasião de elogiar. Naquele tempo as farmácias não vendiam preservativos nem os professores/as do Liceu de Ponta Delgada nos informavam acerca dos preparativos higiénicos para actos sexuais como os de hoje que são obrigados a dar sexo lectivo... A professora de Francês em vez de me bater na cara a colocar-me o preservativo e a dizer-me: faz pau para colocar... E o professor da mesma língua sem habilidade para desenhar a tentar à base de giz no quadro preto a dar-nos instruções de como utilizar a bexiga de porco na língua francesa... Nem para isso serviam. Meu primo sempre disse: mal acabes de te servir delas, mija e lava-te. Era remédio santo. Evitava as doenças. Aquilo é que era um verdadeiro mestre. Sempre me deu nota positiva, não era como a professora de Português que se coçava como uma danada nas aulas e atribuía-me sempre nota negativa.
manuelmelobento

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