Tuesday, October 03, 2006


A ESQUERDA NOS AÇORES

Falar-se de uma esquerda nos Açores no tempo do Estado Novo dá origem a uma série de equívocos. A ideia de esquerda (esbatida tipo clara de ovo/ pinto) surge entre nós apenas quando os estudantes vinham a férias e traziam como novidade um certo tipo de conversa de contestação. Ninguém se atrevia a fazer crítica política seja de que ala ideológica se identificasse ou pertencesse, em público. A crítica não passava de conversas íntimas. Lá de vez em quando os tubarões do regime ou que viviam no regime cheios de mordomias faziam uma caricatura de combate caracterizado por tomadas de posição de interesses individualistas e barriguistas. Faziam-no nos nossos jornais que eram do tipo Crença da Vila (horários de missas, obituários, anúncios de venda de produtos agrícolas e conselhos aos agricultores). A malta dita de esquerda tomava partido. O partido era uma espécie de gosto mais daquele do que do outro sem perceberem nem reflectirem sobre os conteúdos das contendas. Certamente que havia gente ideologicamente bem preparada. Só que representava um número irrisório e risível. Alturas houve em que os consideravam leprosos. Era cá um certo risco acompanhá-los fosse por onde fosse. Existia uma ideia de repressão que pairava no ar e que paralizava de medo todo o ilhéu. Houve um caso que conheci bem de perto e que em poucas palavras referirei. Um certo senhor esteve preso durante quatro anos. Passou o tempo de prisão fora da ilha. Calculo que os tivesse passado em Caxias. Estávamos proibidos de lhe perguntar fosse o que fosse que dissesse respeito à sua prisão. Soube-se “por fora” que o motivo da prisão tinha sido político. Teria, em certo circulo, proferido frases inconvenientes ao regime. Assunto secreto! Nas aldeias e nas vilas açorianas então não se fala. Os chefes das cabeças e das paróquias - formados nos seminários menores - veiculavam uma série de ameaças bíblicas dominicalmente acerca dos pecados dos comunistas a tal ponto que só o termo assustava as beatas e os seus assistentes. Credo em cruz! Salvo seja! Era comum ouvir-se quando se descrevia o que o comunismo fizera aos que amavam a Deus Nosso Senhor. A acompanhar esta lenga-lenga que ajudava a capar o pensamento reflexivo apresentavam-se na segunda linha de combate pelos valores fidelíssimos da Santa Sé os professores primários e os dos liceus. Formavam um bloco de reaccionários que apesar de dispersos no terreno funcionavam como uma orquestra afinada ajudada pelos legionários de Maria e os outros que se fardavam em dias de festa em louvor da estabilidade e outras teses de alto valor patriótico. Não esquecer que a Virgem também era metida ao barulho oficial pois era a Padroeira de Portugal Uno e Indivisível. Havia duas fotografias que apareciam por tudo que era sítio: o Cardeal Cerejeira e o Salazar. Ambos aparentavam um ar sereno. O primeiro de santidade e segundo por lá perto. Se o 25 de Abril não acode eles estariam neste momento mais os pastorinhos com um processo de beatificação nas costas. E o povo português : ave, ave Cerejeira, ave, ave Salazar... Entretanto, o 25 de Abril apanhou os presumíveis e futuros esquerdistas ilhéus a frequentarem as sacristias e a baterem no peito feitos – como sempre o foram - fundamentalistas. De repente, como quem organiza um clube privado ei-los a agruparem-se e a defenderem valores importados do continente. Sem nunca negarem o sistema ideológico de que são estrutural e biologicamente constituídos saltaram para a esquerda do Estado. Alguns ainda por aí permanecem, mas, claro, sem nunca perceberem o que é o colectivismo, pois transportaram-no para as suas grandes apetências individuais e até fascizantes . Chamam fascistas aos fascistas mas actuam disfarçadamente na área. A verdade é que nem com o andar dos anos – e já lá vão trinta – perceberam o significado de esquerda. Usurpam um espaço que não lhes pertence e são os fautores de injustiças sociais gritantes. Por quanto tempo? Ora leiam Friedmann e percebam o que quero dizer... com o tempo...
manuelmelobento
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