Saturday, January 27, 2007



CARTA ABERTA A DESCARTES

Meu caro Mestre
Creia-me seu admirador profundo. Não tenho outra intenção ao recorrer ao seu douto e imponderável espírito filosófico senão ser esclarecido. Como sei-o morto vou tentar dialogar consigo utilizando o menos possível habilidades das que uso quando me questiono na falta de melhor interlocutor. Disse o senhor qualquer coisa parecida com “Penso, logo existo!”. Digo parecida porque o Mestre não escreveu em português, uma língua que se costuma dizer que pertence a Camões. Parece-me que a língua devia pertencer a Florbela Espanca que para mim além de ser o maior monstro sagrado do amor nunca copiou nada de ninguém… Portugal é um país pequeno demais para dar pela existência das mulheres, a não ser quando se apresentam com um belo par de pernas. Neste caso põem a cabeça dos machos à roda e assim conseguem “pernidade”. Bem, mas vamos ao que interessa:
Eu pergunto e o senhor responde.
O Mestre pensa?
Descartes
Pensa e existo!
Eu
Pensa sempre bem?
Descartes
Pensa bem e pensa mal.
Eu
O Mestre quer dizer penso bem e penso mal. Não será?
Descartes
Sim. Desculpe.
Eu
Quando (é que) existe, é quando pensa bem ou pensa mal?
Descartes
Existo pensando bem ou pensando mal.
Eu
O Mestre não distingue o pensar bem do pensar mal?
Descartes
Distingo. Para o efeito basta.
Eu
Quando o Mestre pensa mal erra ou acerta?
Descartes
Quando pensa, perdão, quando penso mal erro naturalmente.
Eu
Quando afirmou que “Penso, logo existe!” estava a pensar bem ou mal?
Descartes
Estava a pensar bem. Não acha?.
Eu
Como é que chega a esta conclusão? Será uma ideia inata, factícia ou adventícia?
Descartes
Estou a ver que V. estudou a minha filosofia. Muito bem!
Eu
Estava a copiar…
Descartes
Ah! Bom. É uma ideia inata. Claro.
Eu
Se é inata não admite erro. Será?
Descartes
É óbvio!
Eu
É como a ideia de Deus?
Descartes
Sim!
Eu
Mestre, eu quando penso na sua frase, acho que ela canaliza o pensamento humano para coisas impensáveis. Veja como eu existo, perdão, como eu penso: quando deixar de existir cá por baixo, deixo de pensar. Correcto?
Descartes
Se V. não existir, para que precisa de pensar?
Eu
Se pensar é uma ideia inata, também quando não existir cá em baixo ela naturalmente deixará de existir?
Descartes
V. existirá sempre. Logo o pensamento também não morre.
Eu
Eu sei porque é que o Mestre respondeu assim. É que se as ideias inatas morressem, logo a ideia de Deus, que para si é inata, também morreria.
Descartes
V. tem esperto.
Eu
Mestre, as outras ideias também morrem?
Descartes
No outro mundo as outras ideias não têm utilidade.
Eu
Mestre, então, quando eu partir como é o seu caso, ficarei só com as inatas?
Descartes
Ouça, como é que acha que estou a dialogar consigo? É com ideias que não foram inatas, claro está!
Eu
O Mestre desculpe. Sei que é admirador de Santo Agostinho. Ora deixa-me copiar. Cá está: “O ponto de chegada é a Omnisciência de Deus.” Não acha que nesse ponto de chegada só as inatas é que interessam nessa chegada? Que estar a levar para aí ideias que não interessam a ninguém não tem validade?
Descartes
Estou de acordo. Era um total desperdício e uma perda de tempo.
Eu
Pelo menos estou esclarecido numa coisa: lá para cima levarei o seu penso, logo existo e a ideia de Deus.
Descartes
Ora, vê como é fácil! Acabamos ou há mais questões para o esclarecer?
Eu
Obrigado pela sua paciência. Ora vejamos. Se Deus é uma ideia inata, para que preciso pensar nisso (Nele) com a ajuda de ideias que não são inatas? Inatas serão incompletas? Se para si existir (como ser homem) é pensar, porque se não pensar não existo, acontece que não posso separar os dois conceitos (no que me diz respeito). Acho também ser impossível separar o meu pensamento do de Deus (na sua óptica). No meu entender o Mestre pensa mal quando afirma o penso, logo existo. Digo isto porque V. não sabe o que é a existência. Pode pensá-la, mas não a pode explicar para além das coisas que lhe fornecem ideias não inatas. Para já não discuto as suas ideias inatas. V. também não as discute, porque para si são verdadeiras. Se são verdadeiras para que precisa de as explicar e sujeitá-las ao contraditório? Se pensa bem porque dão azo a que se pense mal? Como é o meu caso!
Descartes
V. é muito confuso!
Eu
Obrigado Mestre! Deixe-me continuar e não ressone, por favor. O Mestre tem razão. Se eu não existir não posso pensar. Se eu quiser pensar tenho de existir, não será?
Descartes
Olha a descoberta!
Eu
Então, resolva esta questão que me atormenta: o Mestre não precisa acreditar numa coisa que faz parte de si, como é a ideia inata de Deus. A ideia de Deus obriga-o a confirmá-la? Que meios utiliza para compreender uma ideia inata? Procura a ideia ou ela vem ter consigo? Se não constrói a ideia inata como pode ela tornar-se distinta das outras que vão crescendo com o contacto com os factos e com a experiência? Precisa compreender a ideia de Deus para a poder difundir? Se não precisa compreendê-la como é que aparece? Será quando atinge a consciência de si? Ela terá, então, uma hora para aparecer. Uma espécie de calendário para entrar ao serviço… Essa ideia cresce com o homem? Uma ideia de Deus para a secção infantil e outra para o estado adulto? Uma ideia inata divina esfumada consoante o crescimento? Uma ideia com facetas? “Eu penso, logo existo!” Tem facetas no entendimento? Todas elas verdadeiras? Ou vão se enchendo com a verdade? Tipo dialéctica platónica impossível de perceber nos degraus que implicam entendimento? Quando a ideia de Deus tomou conta de si, não entrou o Mestre em êxtase? Eu ficaria assim se a possuísse. Não acha? Era uma espécie de orgasmo permanente. Eu, por exemplo, quando penso na doutora Marta Crawford (bela sexóloga da TVI) entro em êxtase temporário. Antigamente era com a Miss Monroe. Mas são ideias que vão e vêm. Não são inatas. Deviam ser! Quando essas ideias se vão, deixo de existir naquela parte? Quando o pensamento ficar muito reduzido a minha existência também ficará muito pequenina? Quando o doutor António Damásio desligar o meu cérebro e me puser a viver vegetativamente eu já não existo? Não devia ir por aí, pois o Mestre não o conhece. Não acha? Mestre!!! Já dorme, o raio do homem! Bons sonhos pensados que é como quem diz boa existência…
manuelmelobento






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